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sábado, 18 de julho de 2009

CAPÍTULO 1 - "Baghavad-Gitâ" ´Parte III

A narração da história fica a cargo de Sanjaya, fiel partidário do rei cego, incumbido por transmitir os acontecimentos que ocorrem no campo de batalha dos Kurus, em tempo real, para o palácio aonde se encontram.


Os Pândavas empreendem marcha de guerra para retomarem Hastinapura, a Cidade dos Elefantes. Diante da iminente retomada, o palco militar resta montado. As fortes e largas falanges avançam em carros de guerra. O exército dos Pândavas estão armados com arcos e flechas e com os ideais de seus heróis, comandados por Bhima ou a Vontade Espiritual.

A simbologia indiana liga tais carros de guerra ao corpo; os cavalos, à mente quase sempre indomável e os condutores das bigas, simbolizam o espírito que anima o corpo.


Enquanto Arjuna tem Krishna como condutor de seu corpo e mente, devotando-lhe o respeito e a submissão tal qual deve a mente comportar-se em relação à Vontade Espiritual. Dhritarashtra, ou a personalidade relativa ao Eu Inferior, tem na figura de seu condutor um mero subalterno. Ao passo que o primeiro confia o seu propósito ao Superior que lhe guia efetivamente, o segundo jaz cego e passivo à contemplação na condição de mero ouvinte, distante e aflito em seu palácio que está sendo disputado no campo de batalha. Notamos que ao escutar a história, Dhritarashtra representa os sentidos diminuídos, cego e surdo, sem poder alcançar a mensagem divina que lhe é transmitida, julgando-se separado e alvo da cólera do Sagrado - o que lhe é próprio, em vista de sua cegueira e natureza egoísta.

Os arcos e as flechas remetem à busca de um alvo determinado. Os guerreiros pândavas são homens determinados, arqueiros treinados para atingirem seus alvos; técnicos que aplicam conhecimento em combate. Os guerreiros Kuravas, ao contrário, utilizam suas “armas favoritas”. Não compõem, portanto, uma unidade devotada ao aprimoramento técnico coletivo. Cada componente utiliza o que lhe favorece. Enquanto a estratégia de guerra destes últimos denota um exército centrado na experiência egoísta ou individual, a dos Pândavas traduz combatentes unidos, que adotam um sistema de guerra, pois compartilham do mesmo Ideal de conquista coletiva – “ Um por todos e todos por um”. A exegese da obra nos mostra que apenas as forças do Conhecimento – captado e trabalhado pelo intelecto para servir ao objetivo espiritual – são capazes de gerar os guerreiros e as armas DESTA guerra. “ Os “principais guerreiros”, para a luta entre o Eu Inferior e o Eu Superior.

Diante de tais forças, a materialidade se reconhece inferior à falange dos filhos de Pându que são puxados por cavalos brancos, o que significa que são movidos pela obediência pura e determinada às Leis do Espírito Eterno, pois as reconhecem determinantes de seus comportamentos. Cavalos são símbolos de força e obediência, enquanto que a cor branca se refere à pureza.

O mando militar dos Kuravas provém do velho general Bhishma (Terror), ao passo os Pândavas são liderados na batalha pelo heróico Bhima (Vontade Divina). Cada qual no seu grau máximo de suas motivações, diante da própria guerra. A obstinação, que auxilia do rei é quem toma o governo. Mas ela não pode governar, pois que é adjetiva. Substantivo é o homem, que está cego. Por isto, ao chegar a guerra ela se encontra sob Bhishma, que significa terror e egoísmo. Capenga, invertida, exercendo a função de comando que não é dela, a Obstinação voltada apenas a gerir o legado do prazer inferior ou material, tenta mas não pode governar a Cidade da Sabedoria. Deve pois, ser derrotada pelo Eu Superior.

O experimentado arqueiro Arjuna é um dos cinco príncipes Pândavas que, ao lado de seus irmãos e tendo como seu cocheiro o deus Krishna, a encarnação do “Criador, “possuidor dos corpos”, segundo os hindus, prepara-se para guerrear. O Terror dá o sinal de ataque, correspondido pelos Pândavas. Neste momento, Arjuna pede ao seu amado amigo Krishna que deixasse pairar o carro no espaço entre os dois exércitos, para ver de perto as pessoas que ali combateria. Vê, então, que estas eram todas suas familiares como primos, tios, sogros, amigos e mestre – os quais chama de “príncipes dos homens”, nos indicando a indecisão e os falsos julgamentos humanos. Invadido de horror e pesar, duvida se deve persistir na batalha. Neste momento Krishna responde-lhe para não abandonar, mas enfrentar corajosamente a batalha a ser vencida, contra os Kuravas.

O primeiro capítulo fixa a questão do valor e significado das ações humanas, tratando assim do Dharma pois discute a ética pelo conflito interno de Arjuna, confuso entre guerrear e renunciar ao combate.


Ao ser solicitado a narrar os acontecimentos, Samjaya começa descrevendo a atitude do Egoísmo (Duryôdhana) e sua verdadeira fome de poder. A seguir, narra o conflito de Arjuna que, puro e altruísta, indeciso sobre a ação a ser tomada, não enxerga razão e vitória na batalha e considera desertar em benefício da suposta paz entre os povos. Por isso aconselha-se com Krishna.

Este relato, ao invés de despertar no cego rei a mesma reflexão, fazendo-o compreender a ética demonstrada pelo talentoso arqueiro que se permitiu enxergar seus oponentes antes do combate, não foi suficiente para abrir-lhe a visão escurecida. Sequer aproveitar-se da dúvida de Arjuna, evitando sua própria derrota pressentida pela contagem das hostes inimigas, o cego foi incapaz, para ordenar a suspensão da batalha. A obstinação cega é incompatível com a razão. O exemplo de Arjuna é imprestável ao rei dos Kuravas, não inspira seu comportamento em direção à ética, à bondade, à audição do elefante. Por este motivo, Dhristarashtra merece ser derrotado. Enquanto Arjuna socorre-se de Krishna e avalia a submissão superior à justiça antes pretendida pelo combate por desejar o bem e nutrir o altruísmo; a Obstinação cega entrega-se à insensatez de lutar uma guerra perdida.

A reportagem dos acontecimentos demonstra que Krishna não sonega seus ensinamentos e age democraticamente. Transmite-os não apenas a Arjuna, mas ao rei inimigo dos Pândavas e, ainda, ao serviçal de casta inferior, Samjaya. Aliás, utiliza-se deste simbolizando que os valores materiais (a hierarquia do reinado) não tem significância alguma perante o Eterno que se manifesta segundo a Suas Leis e Vontade, desprezando as normas da materialidade, pois que esta não está Nele, embora Ele esteja nela.

Os Kurus reconhecem a árdua batalha e o exército dos Pândavas como composto por “guerreiros experientes e audaciosos”, comandados por um discípulo da Obstinação de Duryodhana.

Por isto, os Pândavas também são movidos por força igual, embora provinda de outro preceptor, o sábio filho do notável Drupada, rei de Panchada, uma antiga região ao norte da Índia. Uma Obstinação, portanto, vinda de outra origem do que a originada nas forças cegas das necessidades materiais é o que os determina à luta.

O “Baghavad-Gîtâ” descreve a luta interior entre o “Bem” e o “Mal”, o Eu Superior e o Eu Inferior, ocasionada pelo rompimento da Unidade do Homem e da Natureza. Arjuna, que leva um macaco, símbolo o Homem em desenvolvimento, que demonstra uma “nobreza” que na verdade ampara o cultivo das ilusões da seu Eu Inferior, pretende vencê-las mas, para isso, deve firmar seu propósito. Neste capítulo Arjuna é um guerreiro relutante que “deixou cair o arco e as flechas da sua mão, todo entregue à aflição e ao desespero que lhe consumiam o coração”. Enquanto isto, seu exército espera que ele brade e comece a disparar suas flechas, para entrar em franco combate. É fundamental a sua decisão, o despertar de sua vontade e a tomada da ação na batalha da luz contra as trevas.

As figuras do mito estão dentro do homem. Conhecê-los e detectá-los é o imperioso a cada um. Traçando-se um paralelo com a Constituição Septenária teorizada por muitas civilizações, podemos localizar as alegorias nos corpos, planos, degraus ou formas de expressão que compõe o homem.

Constituído o Eu Superior por Atma (Ser, Espírito ou Vontade Pura), Budhi (Veículo da Intuição) e Manas (Mente Pura), localizamos na primeira Hastinapura, no segundo Krishna e, em manas, os Pândavas.

O Eu Inferior, formado pelos componentes Kama Manas( Mente Concreta), Linga Sharira (Veículo Emocional), Prana Sharira (Corpo Vital ou Energético) e Stula Sharira (Corpo Étero-Físico), dominando a mente concreta está a Obstinação de Duryodhana sob a cegueira que acomete o corpo físico, etérico de Dhritarashtra. Representando o conjunto dos elementos do Eu Inferior está todo o exército de Kuravas.

Entre o Eu Superior e o Eu Inferior, localizamos Arjuna.

É necessário elevar-se acima dos corpos, desprender-se da terra como Arjuna pairando sobre o campo de batalha, para iniciar o combate.