Menino Mosqueteiro
Eram meninos. Menininhos e menininhas, melhor dizendo. Pequenos, alegres e tristes, tímidos. Endiabrados, gulosos, sonâmbulos e estridentes ao sorrir e falar. Alérgicos, ridículos, amados e meninos. Iguais a esses que se encontram crescendo com graça pela vida e que estão sempre correndo, caindo, encantando e ensinando esperança.
Mas estes – como se houvesse diferença entre tais criaturas – eram tão meninos que até as meninas eram meninos, pois, naquela idade e naqueles mundos dentro daqueles olhinhos, eles permaneciam universais. Olhavam, uns aos outros, e encontravam a sua nação. A nação dos meninos. Nação de todos os hinos, todas as cores e nenhuma lei.
Revendo a fotografia encardida, salta à vista os traços deles. Traços cor de verde novo, como os jovens brotos orvalhados de capim, ao raiar do dia. Ao aproximá-la, saltam também os seus olhos – verdadeiras ameixas vivas e incrustadas naquelas vinte e poucas ou trinta faces; As bocas que engolem – no momento da foto – o riso quente da alma menina; As mãos, mãozinhas, que se prostram com a seriedade de um soldadinho de chumbo ao lado do corpo menino. Da foto, gritam em algazarra e,docemente, esticam as suas pernas, “pernicas”, que só sabem correr da surra, dos monstros, dos sapos, tartarugas e de todas as coisas boas da vida. Pernas que se cruzam ao chão sem cerimônia; Que se levantam e andam, correm e disparam rumo à vida e aos caminhos antes traçados somente por Deus.
É uma bela fotografia, sem dúvida. Vinte e poucas ou trinta promessas; Vinte e poucos ou trinta milhões de esperanças. São meninos vestidos de sonhos, pequenos príncipes e princesas que ainda têm em redomas as suas rosas, que ainda não partiram e aos quais a vida é um enorme pirulito. É lindo vê-los ali, lambuzados de vida e correndo, um atrás do outro, sobre o pirulito colorido.
Eu, eu olho a fotografia embaralhada, encontro aquele exato menino mosqueteiro e vou ao espelho. Pergunto aos olhos que também procuram o menino dentro dos meus e encontro uma menina triste. Ela é castanha, pequenina e sempre esteve ali. Ela me olha e se vê no centro do meu olho, e parte para buscar a menina do seu, me deixando só. No canto, as lágrimas acabam me convencendo de que o menino naufraga em seu barquinho em algum lugar bem atrás do meu olho, e eu sinto que ele luta. Por um momento o vejo com seus olhos de ameixa, aflito, apoiado em suas perninhas de barata, suando, suando muito em cima de seu barco de papel para retirar a água que inunda imperdoável, dura como pedra e louca para aniquilá-lo. Encontrei-o ! Não são lágrimas o que escorre sobre esta face desconhecida, são as águas do barco do menino que luta dentro dos meus olhos. Eu ajoelho diante do espelho e só posso chamá-lo de meu filho, meu amado menino mosqueteiro.
Retorno à fotografia encardida. Um, dois, três, quatro... Ali está ele ! Ali, bem em cima e ao canto esquerdo, com sua pose de Dom Quixote e pensando em seu Rocinante muito mais que em sua Dulcinéia. O meu menino mosqueteiro ! Sem dúvida é ele. “ Salta daí, menino! Que saudade...!” E ele salta. Eu beijo a fotografia. Ele devolve o beijo, dá uma piscadela inconfundível e galopa para o meu coração.
A todos os meninos e meninas mosqueteiros. Plogust