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Abraço de Águia !


sábado, 25 de abril de 2009

A CAUDA AZUL


Enquanto eu olhava o mar, sentado à margem e lutando com a brasa do meu cigarro que se consumia rápido e alheio à tonalidade romântica que eu tentava imprimir à cena, no meio do oceano percebi o mergulhar de uma enorme cauda, como um aceno magistral de um t gótico, com as extremidades encorpadas e cinza, o cinza próprio dos seres azuis marinhos.


Não tive tempo para transferir da mente ao corpo a reação surpreendida como uma pequena felicidade. Como se ergueu, emergiu. Pretendi fazer considerações sobre o surgimento, mas logo todas as ponderações possíveis se diluíram, laçadas pela surpresa – Que animal..., seria tão profundo o mar já naquele ponto que não me pareceu tão distante? Uma baleia que mais tarde se atolaria na areia ? – Esses pensamentos se esvaíram sem que eu os pudesse reter.


O sol recaía lentamente por trás de uma ilhota, mergulhando na nascente das ondas e o vento suspirava ao meu rosto, refrescando os meus cabelos. Vi meus pés e minhas unhas rachadas. Nenhum sentimento. Abandonei os pés e voltei-me ao mar.


A poucos metros um pescador levantou-se da areia em um salto. Retomou a vara fincada à margem e recolheu a linhada. Levei a mão às sobrancelhas para verificar o peixe rendido ao ar, entregue, sendo desenganchado. Com uma intimidade injustificada o pescador levantou seu peixe, arfante, em minha direção. Sem o que pensar, estendi-lhe exageradamente a mão, retribuindo-lhe um sorriso que eu não tinha. Temi por um instante a sua aproximação, talvez encorajado pelo meu gesto, mas ele plantou novamente a vara na areia e sentou-se, abrindo uma cerveja. Desviei o olhar antes que o homem consumasse o oferecimento de sua bebida e voltei-me para o mar.


Pensei em minha mãe. Embora metade do meu cérebro estivesse preocupada com o pescador, a outra se entregou a todos os passados, mesclando os sentimentos. Por um momento imaginei o lambari rendido comendo as suas cinzas e, agora, aquele senhor preste a fazer parte do, para mim lancinante, óbvio ciclo alimentar. Não. Talvez, preferi, de um só golpe poderia aquela baleia de cauda azul brilhante ter abocanhado todas as pequeninas partículas. Ou, mais dadivoso, tivessem a sorte de serem despejadas diretamente às bocas reluzentes de peixinhos mais dignos e corajosos.


Procurei o ponto onde há poucos meses estivemos todos, entre barcos simples e silenciosos, conduzidos por estranhos. Incólume. Nem sequer uma constante revoada de aves brancas sobre o local, uma simples faixa de sol destacada ou qualquer rastro de arco-íris a selar o ponto das cinzas. Afligi-me querendo outra vez a cauda talvez turquesa. Quis, definitivamente, lançar-lhe um olhar pedindo uma acrobacia, um mergulho, no ponto dos barcos, para enfeitá-lo e, ao mesmo tempo, desejei o peixe pendido do pescador. Saltei. Mas eles não mais estavam ali. Dei passos em direção aos metros que nos separavam mesmo constatando com o coração que haviam desaparecido ou mergulhado para dentro da vida. Repleta de casas, caminhos e anzóis. Impossível revê-los, o homem e o peixe. Olhei novamente os meus pés. E assim, com os dedos impressos nos olhos, passei a adentrar na lâmina espumante que vinha morrer na seara seca, até não mais vê-los. Ergui a cabeça e continuei caminhando como apenas quem vai, até sentir o sal molhado na boca.


Desejei beber a água. Bebi a água o quanto pude, sugando-a, voltado para o local das saudades com a certeza de que Deus me traria uma, uma partícula. Uma, era o que eu pedia, com o pensamento embotado de água e sal. Uma única cinza que se alojasse como bala no meu coração amargo e doce.


Sobre as pontas dos dedos senti o estômago pesado e a alma rompida. Mergulhei, tendo na mente a leveza da cauda azul, abocanhando todo o mar. Não havia saudade. Apenas a sua sede e fome. Em pensamento, o delicado gelo da cerveja do pescador eu também queria. Desejei abraçar o pescador e ser um peixe e todos os peixes que com suas bocas miúdas estiveram no banquete enfeitado de flores e refrescado pelas sombras dos barcos.


Onde está você, pescador? O mundo é tão imenso e eu não sei se você também mergulhou rumo ao infinito como a baleia e como eu. O mundo é tão grande... e é grande assim que, á medida que eu me aproximo, parece que o ponto adentra mais e mais em direção ao sol que agora é quase uma lembrança dourada. Longe..., já um adeus vermelho e misterioso.


Meus pés já não alcançavam o fundo sem que os meus cabelos emergissem a ponto de serem levados pela brisa das águas. As luzes das encostas começavam a salpicar. Luzes de casas ao entardecer. Pensei o quanto elas trazem assim, vistas do mar. E trazem tanto que, se detendo por alguns segundos em uma delas e depois fechando-se os olhos é possível ouvir o ruído esguichado da panela de pressão ao fogo, ver o meu entrar pequeno na cozinha branca com maçãs nos azulejos e ouvir o meu nome naquela voz ocupada e doce. Oh, meu Deus, o mar cheira a... carne com cebolas em tiras grossas, batatas inteiras cozidas com tomates, arroz com feijão fresquinho, ao alho... O mar cheira ao meu suor entrando em casa, com as bochechas vermelhas e os cabelos na testa. E como, Deus, o mar trás o gosto do rosto cansado que eu beijo e que se encaixa e beija o meu pescoço e depois, consertando o beijo, beija a minha face quente, pequena, redonda. É por isto que o mar é salgado.
Frio e quente é o mar. Igual àquelas mãos. Molhadas.Que eu retiro do meu rosto, por nada saber da vida, e que pronunciam o meu nome. É por isto que o mar é imenso. Como elas... Tão imenso que nem o meu coração poderia tê-lo inteiro. Enorme. Tão grandioso que além de ser maior que toda a terra deste mundo, é ele. O mar.


A cidade ressuscita e eu ainda quero a baleia negra, enfeitando com o seu mergulho, o local que me foge. Tudo é muito grande ! – gritei quando retornava – e eu aqui, ávido por estas luzes pequenas. Tão pequenas, secas e distantes que nem os meus olhos podem distinguir.


Molhei os cabelos gelados e duros e limpei as lágrimas, irrompidas do mar. A ardência que invadia incandescente fez-me apertar os olhos com os dedos dobrados e, talvez fosse um reflexo da noite, um mistério do mar ou um desses pensamentos que, feito vertigem, saltam à realidade, bem ali, ao centro do ponto das cinzas, airado como miragem, um arco-íris e, no intervalo de outro aperto dos olhos, a enorme cauda dourada e azul empinou. Parou no ar, esperando o meu juízo, e mergulhou sob a mais linda lua que eu já vi em toda a minha vida.

Plogust

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