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Abraço de Águia !


sábado, 15 de agosto de 2009

Impressões

Incrível é a sensação de querer te dar a minha vida em um filme, embrulhada  por “Eu sei que vou te amar”, no dolorido agudo  do Caetano, numa tarde de sábado manso e quente, com uma pequena vista da rua: a árvore, a flor vermelha e amarela do canto da jardineira. Mas é um momento para se deliciar por uma única vez, a que surpreende e associa pelas razões do coração. As repetições,como garças desesperadas, trazem somente o remoer. A primeira não.A primeira, criadora e despertar desse sentimento gostoso que me traz ás letras, a primeira sensação é plena, começa no terminar da alegria. Paulo Gustavo

Baghavad Gita - Capítulo X

AUM – TAT – SAT, o tríplice nome de Brama, a tríplice designação do Absoluto. A primeira, a designar o Poder Supremo ( Pai, filho e Espírito Santo), a ser pronunciada antes de qualquer prática religiosa e das esmolas. TAT – indicativa do ser em Deus, pronunciada em sacrifícios, obras de caridade para evocar a idéia de Unidade, e, SAT, que significa Verdade e Bondade, que deve ser pronunciada na prática das boas ações ou quando se percebe uma boa qualidade. ASAT é a palavra que representa tudo aquilo que é praticado sem fé e sem boa vontade e que não tem valor algum.

O último capítulo do Baghavad Gita afirma que é através da renúncia sáttwica – desinteressada e em adoração a Deus -, em relação a tudo o que é característico do amor de si próprio como quem, alcança a União com a Imortalidade.

Baghavad Gita - Capítulo IX

Ao abordar a Fé, a Sublime Canção afirma ser a Fé o movimento próprio do ser lançado à sua Salvação, sendo manifestada pelo chamado “Culto Divino ou Religioso”.
Arjuna aprende que a Fé compreende três tipos, que regulam-se de acordo com as três gunas ( sattwa, rajas e tamas). Deste modo, a Fé tem o seu aspecto ideal de pureza, paixão e tenebrosidade, seus três opostos viscerais. Teremos, portanto, Fé Sáttwica, Rajásica e Tamásica, que refletem, por sua vez, os homens que as detém.

O homem detentor da Fé Sáttwica é aquele voltado para Entidades Espirituais elevadas, sendo que os mais adiantados só venerem ao Espírito Uno e Eterno; os Rajásicos veneram heróis e outros seres poderosos e os Tamasicos, elevam seus cultos a espíritos inferiores, demônios e espectros.
Ainda pairando sobre o campo de batalha, tendo à vista os apelos da materialidade de um lado ( Kuravas) e os desejos de retomada do controle nos olhos dos guerreiros Pandavas – o Conhecimento, a investida do produto da intelectualidade aplicada através do conhecimento do Eterno, o Homem pronto para lutar, inteiro de si, de outro - , bebendo todo o conhecimento transmitido, dentre as inúmeras distinções que faz a cerca das personalidades, Krishna afirma a Arjuna que não apenas os alimentos, mas os homens têm estes caráteres. Enquanto um homem sáttwico preferem alimentos naturais de puros, os rajásicos aos picantes e salgados e, os tamásicos, aos alimentos rançoso ou estragado; Quanto a qualidade das oferendas, o sáttwico prefere aquelas prescritas nas Escrituras Sagradas e as faz sem esperar nada em troca. Os rajásicos, por sua vez, oferece esperando vantagem e com ostentação e, o tamásico, oferece á Divindade com fé mas sem devoção, pensamento ou reverência; Relacionando as espécies de penitência, continua dizendo que corporal é a penitência que respeita os seres celestes, os homens santos, os iluminados, os Mestres e guias do conhecimento, os sábios, enfim. Penitência Lingual é a prece circunspecta em verdade e, penitência mental aquela que consiste na pureza da alma, discrição, no devotamento.

Tais são, pois, as três espécies de penitência apregoadas no Baghavad-Gita. O Homem sáttwico as pratica como descrito; o homem rajásico as pratica esperando compensação ou vantagem,, incerta e inconstante e, por sua vez, o homem tamásico as pratica para atormentar-se a si, simplesmente, ou aos outros, com um fim insensato.

Faz o paralelo, ainda, com a caridade, o que nos permite traçar estes paralelos para situarmos nossas próprias atitudes e modos de pensar.

Baghavad Gita - Capítulo VIII

“ O CAMPO E O CONHECEDOR DO CAMPO”
A respeito do que seja matéria e Espírito, a obra ensina que o campo é o que chamamos de corpo e o conhecedor do campo o seu criador.Além disso, que o corpo é um microcosmos ou um universo em miniatura através do qual o espírito de manifesta e utiliza.
Sobre a natureza da matéria, sua organização, propriedades, origem e transmutações também trata Krishna,além de discorrer sobre o Espírito.
“Com o nome de Natureza Material designam-se: Os elementos materiais, a consciência de personalidade, o intelecto, a força vital, os centros dos sentidos, a mente, os órgãos dos sentidos”
“O amor e ódio, o prazer e a dor, a multiplicidade, sensibilidade e coesão.”
“A Sabedoria Espiritual consiste em: modéstia, sinceridade, inocência, paciência, retidão, respeito para com os superiores, castidade, constância, domínio de si próprio”
Como Objeto do Conhecimento que confere a Imortalidade, é ensinado que este é a Suprema Divindade (Parabrahm), o qual não pode ser chamado nem de Ser , nem de Não-ser, pois está dentro e fora de todos os seres; presente em todos os seres como as suas almas ( atmas), que parece mas não é fragmentado.
“ O Atma (Deus) é a Luz-das-luzes. Ele é o Conhecimento, O Conhecedor e o Conhecido. Mora nos corações de todos”.
Recebedor das impressões da matéria, o espírito tem determinada a sua reencarnação conforme o apego a estas impressões e qualidades.
A libertação espiritual se dá ao homem quando este alcança o conhecimento da divindade em si mesmo, tornando-se consciente do Espírito Universal ou Supremo.
Sendo a representação do universo em pequena escala, um microcosmo, o Homem necessita desta consciência divina para entender e distinguir as influências espirituais, já que sendo um ser espiritual é influenciado por outros seres inferiores e superiores.
“ Prossegue Krishna, o Verbo Interno:
Vou dar-te os sinais característicos dos homens que andam pelo caminho que conduz à Vida Divina: Intrepidez,pureza de coração, perseverança em busca da Sabedoria, caridade, abnegação, domínio de sí mesmo, devoção, religiosidade, austeridade, retidão.

Abstenção de más ações, veracidade, mansidão,renúncia, equanimidade, boa vontade, amor e compaixão para com todos os seres,ausência do desejo de matar, ânimo tranqüilo, modéstia, discrição, firmeza.
Fortaleza, paciência, constância, castidade, humildade, indulgência”. (16.1.2.3)
Ao passo que, dentre as características do homem que caminha rumo aos demônios, pela escolha da natureza diabólica ou má, estão a cólera, a hipocrisia, o orgulho, a arrogância, a presunção, a rudeza e a ignorância.

O Baghavad-Gita vaticina que para os andarilhos de tal caminho, “ são por Mim arrojados em demoníacas matrizes”, para as quais retornam à medida de suas incessantes reencarnações em mundos de expiações como o planeta terra.

A luxúria, a ira e a avareza são as três portas para estes infernos. Deve-se pois afastarmo-nos delas se quisermos alcançar a Meta Suprema e, para isto, cumpre entender e conduzir a vida material conforme as Escrituras Sagradas, pois são os receptáculos dos ensinamentos do Espírito Universal.

Baghavad Gita - Capítulo VII

As questões de Arjuna sobre o que é o Ser Eterno ou o Espírito, bem como sobre a Sua natureza, além de o que seja karma, seres imortais, Seres Divinos; quem é o Ser Supremo e de que modo Ele reside no corpo e domo pode o Ser Supremo ser lembrado na ocasião da morte, por aqueles que possuem o controle sobre suas mentes, são respondidas.
O Senhor Krishna disse: “ O eterno e imutável Espírito do Ser Supremo é chamado de Ser Supremo ou o Espírito. O poder inerente da cognição, e desejo do Ser Eterno, é chamado de natureza ou Ser Eterno. O poder criativo ou a essência da ação do Ser Eterno que causa a manifestação das entidades vivas é chamado de karma “.
O corpo sutil, ou alma individual, traz consigo seis faculdades sensórias, intelecto, ego, além de outras cinco forças vitais, os bioimpulsos (Força vital, Prana). A alma individual fica contida no corpo material, sustentando-o vivo através das funções exercidas pelos órgãos.

Diferentes expansões do Ser Supremo são também chamadas de Seres Divinos. O Ser Supremo também mora dentro dos corpos físicos como o Controlador Divino (Ishvara) (8.04).
Além destes aspectos, a obra explica a teoria da reencarnação, pela qual cada ser humano, individualmente, experimenta e suporta as conseqüências da Lei da Causa e Efeito no decorrer das sucessivas encarnações no mundo material, considerado de expiação.Além disso, explica que alcança-se a Salvação pela meditação em Deus na hora da morte.

“Portanto, sempre lembre-se de Mim, e faça a suas obrigações. Com certeza, você irá alcançar-Me, se a sua mente, e o seu intelecto, estiverem sempre focados em Mim (8.07)”.

“Eu sou facilmente alcançado, Ó Arjuna, por aquele que é sempre leal, devotado, e que sempre pensa em Mim, e cuja mente não vai para outro lugar (8.14). “

“Após alcançar-Me, as grandes almas não mais voltam a nascer neste transitório mundo miserável, porque elas alcançaram a mais elevada perfeição (8.15).
A Criação é Cíclica
“Aquele que conhecer que a duração da criação é de 4.32 bilhões de anos, e que a duração da destruição é, também, de 4.32 bilhões de anos, eles saberão dos ciclos de criação e destruição (8.17).”
Krishna explica, então, que um ciclo criativo completo é de 8.64 bilhões de anos solares, considerando o período da aniquilação dos planetas e seres inferiores e a nova criação, o que se dá sucessivamente através da eternidade.Embora aqueles que tenham alcançado a Morada Suprema, deixam de se sujeitarem às leis da reencarnação, da destruição e crianção.

Complementa os ensinamentos, Krishna, afirmando que tais ensinamentos para a escolha do Caminho até a Suprema Morada só pode ser comunicada a quem tenha inabalável fé, esperança e o divino amor, pois trata-se de verdadeira ciência.
“Os que seguem as prescrições dos Vedas , oferecendo muitos sacrifícios, bebendo o Soma sagrado ( bebida dos Brâmanes) e purificando-se dos pecados, e imploram o caminho do céu, serão admitidos no céu de Indra ( o mais alto dos céus) e ali obterão o alimento celeste e gozarão os prazeres dos deuses” (9.20)

Deus é, pois, o “ Tudo em tudo”, o verdadeiro fundamento e a verdadeira essência imutável a se manifestar de modos diferentes, o mais Perfeito Ser. E a Sua forma ou personalidade é a soma de tudo o que existe.
“Eu, ó príncipe! Sou o Espírito que reside na consciência de todos os seres, e cujo reflexo é conhecido por todos como o ‘EU’ ( ou Ego). Eu sou o princípio, p meio e o fim de todas as coisas” (10.20)
O capítulo XII esclarece que a religião verdadeira é aquela que consista na União da alma do ser individual com Deus.O que se dá através da renúncia aos frutos da própria obra e da busca incessante do Caminho que conduz à Divindade.
“ Amo aquele que é sempre constante, afável e piedoso, manso de coração e de firme vontade, e cujos pensamentos em Mim se concentram”( 12.14)

Baghavad Gita - Capítulo VI

“ O Discernimento Espiritual é a Iluminação”

Nos capítulos VII, VIII, IX, IIX, IIIX, X, XI e XII do Baghavad-Gîtâ é exposta a doutrina de Krishna e a forma de praticar a Raja Yoga, a modalidade que se utiliza do domínio interno das atividades mentais. Portanto, voltada para quem tem tendência à meditação.

Trata do conhecimento espiritual traduzido no despertar da Consciência Divina no ser humano. Sendo Deus Amor, a Sua consciência é obtida através da força do Amor Supremo.

“ Escuta as minhas palavras, ó Arjuna, para saberes como verdadeiramente e sem dúvida Me conhecerás, se fixares em Mim a tua mente e em Mim descansares o teu coração.

Eu te instruirei na sabedoria maravilhosa dos homens e dos deuses, sem reserva nem restrição; aprendendo estes ensinos, adquirirás o saber perfeito, e saberás tudo o que pode ser sabido por um homem”.

As explicações ao guerreiro dão conta de que o Ser Supremo tem duas naturezas: a Natureza Material, composta de oito formas elementais: (1) Terra; (2) àgua; (3) fogo; (4) ar; (5) éter; (6) mente; (7) razão e (8) Ego ou consciência individual, matrizes de toda a criação, além da sua Natureza Espiritual que é o Princípio que vivifica e sustenta o Universo. O Princípio da criação e da dissolução do Universo.

“ Eu sou o líquido da água; Eu sou a luz do sol e da lua; Eu sou a sílaba sagrada AUM; Eu sou o cântico dos livros sagrados; Eu sou a harmonia dos sons que vibram no éter; Eu sou a virilidade dos homens.

AUM é o símbolo do Ser Supremo. A, simbiliza o Pai; U, o Filho ou Salvador e, M, o Espírito Santo ou o Renovador, Destruidor.

“ As três qualidades da minha natureza: a harmonia, a atividade e a inatividade ( Sattva, Raja e Tamas), as quais se manifestam como a luz da verdade, o desejo das paixões e as trevas da ignorância, em Mim têm o princípio e estão em Mim, mas eu não dependo delas” O que indica que Deus não se limita, mas é maior do que a natureza. Esta não é Deus, mas uma manifestação da força Divina.

Todos os homens chegarão a Deus, nos diz o Baghavad-Gîtâ. Mas o sábio que se entrega completamente será como o próprio Espírito Eterno, que é o seu alvo final. Resta, pois, lançar suas flechas sobre os Kuravas!

Além dos sábios, outros “por falta de conhecimento” vão a “outros deuses. Todos acham o que procuram, de acordo com a sua natureza.

“Hás de saber, entretanto, ó Arjuna, que a verdade, apesar de ser desconhecida pelos fanáticos e intolerantes, é esta: Que, ainda que os homens adorem vários deuses e várias imagens, e tenham diferentes concepções da deidade adorada, e até pareçam as suas idéias ser contraditórias entre si, toda a sua fé se inspira em Mim.

A sua fé em seus deuses e imagens não é senão o alvorecer da fé em Mim; adorando essas formas e concepções, eles querem adorar a Mim, sem o saberem. E, em verdade te digo, eu aceito e recompenso essa fé e adoração, uma vez que seja honesta e consenciosa. Esses homens fazem o melhor que podem, conforme o seu estado de desenvolvimento, e receberão os benefícios que procuram, conforme a sua fé; todo benefício, porém, emana de Mim. Tal é o meu Amor, a minha Razão e a minha Justiça.

Mas lembra-te, ó príncipe, que as recompensas desses desejos momentâneos, finitos, perecíveis, são igualmente de pouca duração. Os homens que adoram os deuses inferiores, as caricaturas e sombras imperfeitas da Divindade, vão aos mundos de sombra, governados por esses deuses-sombras. Mas aqueles que são sábios e capazes de Me conhecer como Sou, Um e Tudo, vem a Mim, ao meu mundo de Realidade, onde não há sombras, onde tudo é Real, até mesmo a chama que faz a sombra desaparecer”. O Absoluto invisível é a base do mundo visível.

O verso 7.24 parece contradizer a interpretação comum de que Deus encarna ( versos 4.06-08 e 9.11). O Ser Supremo é imanifesto, e portanto, jamais torna-se manifesto. O Absoluto não encarna. Jamais se afasta da sua “Morada Suprema”. É o Seu intelecto que faz a criação, manutenção,encarnação e destruição através Seu Poder.

Vejamos a invocação de paz do Ishopanishad: "O invisível é o Infinito; o visível também é infinito. Do Infinito, os universos finitos se manifestam. O Infinito (Absoluto) permanece infinito ou imutável, apesar dos universos finitos saírem dele". Por desconhecerem a natureza transcendental e imperecível de Deus, alguns imaginam que o Senhor se encarne. O que não ocorre. Segundo o hinduísmo, Deus manifesta-Se através da Sua Potência Divina.

A partir deste entendimento, poderíamos dizer que o Ser transcendental está muito distante à concepção humana e, por isto, podemos escolher qualquer forma ou modo para adorar a Deus.

“ Todos os seres neste mundo estão na absoluta ignorância, devido à ilusão dos pares de opostos, dos gostos e desgostos, Ó Arjuna. Mas as pessoas purificadas pelas ações não egoístas, cujo karma há terminado, torna-se livre da ilusão do par de opostos, e adora-Me com firme resolução” (7.27-28)
Apenas ao término do karma é que se consegue entender e adorar a natureza divina.
“O CAMINHO DA RENÚNCIA DAS OBRAS”

Todo o bem emana do Uno. O homem material, Dhrystarashtra, não pode realizar qualquer coisa boa ou santa. A conduta sábia precede à sabedoria. Ela determina o agir não por si mesmo, mas na condição de instrumento de Deus.

“Meditando sobre o Altíssimo, que é o Eu Real, unindo-se a Ele, conhecendo-O e amando-O, passa o sábio aos estados superiores, aos planos mais altos, dos quais não volta mais para os degraus inferiores da existência. O conhecimento da Verdade consumiu todos os seus pecados e erros, e ele entra no reino da Boa-aventurança.”

O caminho do Conhecimento se funde ao da Reta Ação que, neste estágio, não pode ser considerada em seu sentido vulgar, pois já não é mera ação mas, sim, sabedoria aplicada. Neste ponto de entendimento não existe mais o livre-arbítrio pois que este “ só existe à medida da ignorância do homem.”
“ A César o que é de César”, nas palavras de Jesus, O Cristo, e, no Baghavad-Gîtâ: “ O verdadeiro Yogi, deixando os objetos exteriores influenciar só o seu exterior e não a sua alma, abre vistas interiores à Luz Eterna e une a sua respiração externa com a interna, em ritmo de harmonia.

Todos os seus sentidos obedecem à vontade Espiritual, todo o seu pensar tem as raízes em Deus; nada para si deseja, nada receia; a ele não tem acesso nem ódio nem ira: a sua salvação está realizada.

Ele Me conhece como Sou, sabe que Me agrada o domínio de si mesmo, reconhece-Me como Senhor do Universo, é amante de todas as almas, e une-se comigo. Pois Eu sou o amparo de todos os que em Mim se refugiam.”

A renúncia surge após o autoconhecimento como meta da vida. Este, somado à ação desapegada são necessários apenas para atingir a meta pretendida. A renúncia suprema é a junção de todas as ações e posses - incluindo corpo, mente e pensamento – a serviço da Vontade Divina.

“O CAMINHO DA MEDITAÇÃO OU SUBJUGAÇÃO DO EU INFERIOR”

Aqui são afirmados os métodos para se realizar a união com Deus: a santificação interior e a meditação.

“ 1. O Verbo Divino:
“Ouve as minhas palavras, ó Arjuna! Quem cumpre honestamente o seu dever da melhor maneira que lhe é possível, sem nutrir desejos de ser recompensado é, ao mesmo tempo, um asceta e um homem de ação; não aquele que simplesmente prescinde de ritos e sacrifícios.”


Para subjugar o Eu Inferior ao Eu Superior é preciso se elevar até o conhecimento desinteressado de que “se a ação não é acompanhada pelo conhecimento inteligente da renúncia dos resultados, não merece o nome de Reta Ação.” O sacrifício dos resultados tem que ser consciente. Isto confere mérito ao peregrino, tornando-o yogi perfeito.

Conta Krishna que este é um processo: Após atingir a sabedoria pelo conhecimento da Reta Ação, libertado-se do apego às obras, a Sua Lei prevê um novo grau de ensinamentos, calcados nos métodos da meditação e da santificação. A “calma meditação e a paz serena da mente” são os melhores meios para se chegar à Verdade.

Refere-se ao modo como o yogi deve proceder em seu exercício de dominação da mente e do corpo, utilizando-se das alegorias de um pano (castidade), do couro de antílope (delicadeza de sentimento) e o repouso sobre verbenas (erva “Kusha”), que significa firmeza. Reunindo assim as qualidades de ser casto, delicado e firme.

Combater os Kuravas é somente o primeiro passo. Agir por recompensa é o que aprisiona o homem à Lei de Causa e Efeito. É preciso superar o sistema de intercâmbio dos chamados “Gunas”, da filosofia Sankhya. O Baghavad-Gîtâ ensina que devemos nos afastar dos excessos mundanos.

Os três gunas são as tendências instintivas que determinam um comportamento, estado mental ou fenômeno. As fontes de todas as características associadas ao Homem. Qualidades da matéria. A matéria da qual o universo é feito, em todos os seus estados, resulta da combinação de três qualidades: Sattva (ritmo), Rajas (movimento) e Tamas (inércia).

Essa idéia é assimilada à obra dentro da concepção do Eu Único. Tais estados ou gunas têm princípio no Eterno, “ ainda que Eu não esteja neles, eles estão em Mim.” E explica, a Divindade, ao discípulo Arjuna, que os indivíduos se iludem pelos estados compostos das três qualidades e por este motivo é que não O conhecem. O Supremo está além das gunas, imutável. “ Porque esta divina ilusão (mâyã) Minha, constituída pelos gunas, é muito difícil de superar. Contudo, aqueles que se dedicam exclusivamente a Mim, a superam.”

Sattva: O princípio da inteligência superior. É a qualidade positiva da pureza, do altruísmo e da consciência lúcida. É traduzida por equilíbrio, harmonia e pureza. Alguém com inclinações sattvicas tem sua conduta e estado mental positivos e prima pela coerência.

Rajas: O princípio da energia mental racional, da turbulência, da emoção, da impulsividade. É o movimento que cria desejos e medos que conduzem à atividade. Tendências rajásicas significam dinamismo, egocentrismo, vaidade, ânsia de poder, riqueza e prestígio.

Tamas: O princípio da obscuridade, do negativismo, da densidade, da letargia, inércia, ignorância e da resistência. A qualidade tamásica indica alguém com um estado mental auto-destrutivo, caótico ou embotado; que se dedica à destruição, ao crime ou a atividades imorais, ou que tem um comportamento preguiçoso, de pouca ambição, passividade e inconsciência, vivendo de forma inútil e grosseira.

Sattva é a qualidade mais adequada à mente. Rajas e Tamas representam impurezas no plano mental e enfraquecem o poder de percepção e o discernimento espiritual.

Baghavad Gita - Capítulo V

“ O CUMPRIMENTO DA AÇÃO SEM EGOÍSMO”

Krishna esclarece quanto à diferença entre a ação e o conhecimento. A ação é desvalida perante o Eterno quando motivada pelo Eu Inferior em socorro das necessidades pessoais. Aniquilados os motivos egoístas a ação precisa ser guiada pela Vontade Divina, convertendo-se o homem a um instrumento de Deus, sem esperar retribuições. Para isto: “ Os sentidos (Kâmas) são grandes e poderosos; porém, maior e mais poderosa é a mente; maior do que esta é a Razão, e o mais forte é o Eu Real, a Luz da Divindade” ( BG.42) Referindo-se Manas, Budhi e Atma, respectivamente.

O conhecimento é superior à ação. Pois ele possibilita a dominação dos objetos dos sentidos ao ponto em que a prática da reta ação, ou o cumprimento do serviço da Vontade Divina, se torne naturalmente altruísta, porque o caminho à Luz é o reto cumprimento do “dever-ser”.

A luxúria, que é o desejo egoísta e passional pelos prazeres materiais, produto da paixão, e que se transforma em ira quando não satisfeita, é um “grande demônio”, considerada a origem de todo o pecado, como informa a Divindade, pois retira o peregrino do caminho da Luz. Ela é, desta forma, inimiga do autoconhecimento, tendo um poder de aniquilação contra o outro. Por isto, o controle dos sentidos é imprescindível para matar os apelos materiais, que destroem a auto-realização.

“ O CONHECIMENTO ESPIRITUAL NO CAMINHO DA RENÚNCIA”

O ensinamento do capítulo anterior é chamado Karma-yoga, e foi declarado por Krishna como a suprema ciência secreta da reta-ação.

“Já na mais remota antiguidade dei esta doutrina da união com o Eu Divino a Vivasvat. Ele a ensinou a Manu, e este a transmitiu a Ikshvâku, o fundador da dinastia solar.”(BG,IV,1)

Vivasvat é a Mente Divina primordial, o Sol Espiritual no princípio do universo; Manu vem do sânscrito “man”, pensar que é relacionado ao Filho do Sol e Pai da raça humana. Krishna diz ainda que esta doutrina era conhecida dos Reis Sábios ou Patriarcas, os Rishis.

“Escuta este mistério. Eu sou superior ao nascimento; sou inato e eterno, sou o Senhor de todas as criaturas, pois tudo emana de Mim: Mas também nasço, gerado por meu próprio Poder.”(BG,IV,6)

Diferenciando a ação desapegada (reta ação), a ação desapegada (inação) e a má ação, Arjuna é orientado de que o Sábio é, pois, aquele cujas obras são “livres dos vínculos de esperanças egoístas”. Aquele que renunciou “ ao fruto de suas ações” e por isso é feliz e confia “ na força divina do seu interior”, a qual ele deixa agir por si.

O necessário ao homem, antes que o deus ou a sua idéia, é a sinceridade da sua determinação nobre de buscar. Assim, é dito que “ Todas as formas religiosas, embora com denominações diferentes, a Mim os conduzem.”

Uma antiga teoria metafísica indiana afirma que todas as religiões confluem à Religião Única, sendo cada qual uma expressão Desta. Á medida que de tempos em tempos a humanidade se encontra sufocada pela decadência do Dharma (justiça; reto agir) e a predominância do Adharma (injustiça; torto agir), o que é demonstrado pelo comportamento moral e espiritual dos seres, o Supremo se manifesta no corpo de um Avatar ( Buda, Krishna, Maomé e, para algumas interpretações, Cristo), com a missão de resgatar a humanidade para o caminho da Verdade, protegendo os bons, mudar os pecadores e restabelecer a ordem ou Dharma. Assim, o Ser Eterno é Espírito e corpo; divindade e humano.

As escolhas da humanidade produzem desvirtuados e malfeitores que contaminam e fazem fenecer a ordem do mundo. Mas a Compaixão Divina encarna-se para restabelecer o equilíbrio.

Em paralelo com o cristianismo, é fácil observar que este encontrou solo fértil no período histórico no qual o Império Romano encontrava-se imerso na iniqüidade e na corrupção.

A busca pelo conhecimento da Verdade conduzirá cada homem “pelo mar dos erros”. Não há, pois, caminho errado, erro indesculpável ou condenação ao esquecimento de Deus porque o homem detém os instrumentos de sua salvação. A oração e a devoção são formas de reconhecimento da magnitude de Deus e os meios pelos quais nos aproximamos do Imutável Senhor.

“De Mim procedem as quatro castas”, explica Krishna se referindo às classes da atividade humana, baseada na vocação e aptidões: Os Brâmanes (sábios ou sacerdotes), os Kshattriyas (guerreiros), os Vaísyas comerciantes) e os Sudras (operários), as quais são incompreendidas pelo Ocidente e pelo hindu moderno.

Vejamos que Galeno ( 131-201 d.C.), médico e filósofo grego, classificou os temperamentos humanos em quatro espécies: Coléricos, sanguíneos, fleumáticos e biliosos. Também, os biotipos característicos da psicologia contemporânea, através das quais descobrimos nossas vocações para as artes e profissões.

A natureza humana é Uma, porque emanada da Unidade, segundo a filosofia hindu, se diferenciando pelas características que se somam no processo reencarnatório de evolução. Assim, enquanto alguns são vocacionados ao altruísmo e à própria mística (Brâmanes), outros o são à Justiça (kshattriyas). Ao passo que existem aqueles naturalmente inclinados ao comércio, que operam na dimensão dos objetos, os Vaísyas; Há os homens que se identificam com as artes menores que são os operários ou Sudras. Os sem castas, segundo o hinduísmo, são os considerados marginais. Portanto, esta divisão de castas nasce da leitura hindu da natureza humana que, hoje, deturpada, transformou-se em base ignominiosa à separatividade e ao preconceito, pois que voltada à letra morta e não ao seu essencial conteúdo, segundo este ensinamento.

O Karma deve ser realizado visando causas e ganhos pessoais justos. Confirmando que até mesmo um sábio confunde-se sobre o que é ação e o que é inação, o Baghavad-Gîtâ nos explica, claramente, o que é ação. Este conhecimento é o que nos libera do “mal do nascimento e da morte”.

Por ser de difícil compreensão a verdadeira natureza da ação, primeiro deve-se conhecer a natureza da ação apegada, a natureza da ação desapegada, e, a natureza da ação proibida.

A ação apegada é a conduta ou o trabalho egoísta, realizada no modo da paixão em atendimento às necessidades apenas dos Kuravas. Este tipo de ação produz o aprisionamento ao círculo kármico, o que conduz o ser ao ciclo de reencarnação.

A ação desapegada,ao contrário da primeira, é a conduta ou trabalho altruísta, realizada dentro da bondade em atendimento às necessidades do próximo e da falange dos Pândavas. Esta ação conduz à salvação. A ação desapegada é considerada inação pois, do ponto de vista kármico, não existe ação.É só o Bem. Não tem em si a força de reação kármica. É uma via de mão-única para Deus. Apenas eleva o praticante à Unidade do Espírito Eterno.
A ação proibida é aquela prejudicial ao próximo, à sociedade e para o seu próprio praticante. É realizada no modo da ignorância e, como não poderia deixar de ser, ativa a reação kármica gerando desgraça.

Deste modo, a reta ação (Karma-Yogi) não está sujeita ás Leis Kármicas ou de Causa e Efeito. “Aquele que vê a inação na ação e a ação na inação, é uma pessoa sábia. Tal pessoa é um yogi e possui tudo por completo (4.18).”

Baghavad Gita - Capítulo IV

“ A VERDADEIRA NATUREZA DO ESPÍRITO”

“... Esta fraqueza, indigna de um homem, faz-te infeliz, pois te fecha as portas do céu”, diz Krishna cheio de amor, piedade e compaixão, para o confuso Arjuna reputado pela divindade como “ vencedor de inimigos”.

Mas Arjuna está , a seu modo, cego, eis que confuso; sem decidir-se, pois tem orgulho e piedade pelos seus vícios, aos quais ainda nutre respeito e apegos. Julga-se incapaz de lutar contra Bhishma e Drôna, que juntos representam uma aterradora e exímia força na arte da guerra ( Drôna é seu antigo professor das artes militares que luta ao lado dos Kuravas).

“Luta contra os Kuravas” – incita Krishna, pois sabe que vencer esta batalha é o modo para alcançar o Caminho da Luz. E instrui seu amigo sobre a natureza e a eternidade do Espírito que segue através de reencarnações (Palingenesia, do grego “Palin”, novo; “Genesis”, nascimento), utilizando-se de vários corpos durante a jornada de evolução.

Mais que isto, afirma: ” Sabe, ó príncipe Pându, que nunca houve tempo em que não existíssemos Eu ou tu, ou qualquer destes príncipes da terra; igualmente, nunca virá tempo em que algum de nós deixe de existir”, ensinando sobre a eternidade do verdadeiro ser que independe de seu corpo pois que é a expressão material do Uno Eterno.

Garante que, pelas faculdades mentais, os sentidos conferem “o sentimento do calor e do frio, do prazer e da dor. Mas estas mudanças vêm e vão, porque pertencem ao que é temporário, impermanente, inconstante. Suporta-as com equanimidade, valentia e paciência, ó príncipe! O homem que não se deixa mais atormentar por essas coisas, - que se conserva firme e inabalável no meio do prazer e da dor, - que possui a “verdadeira igualdade de ânimo: esse, crê-me, entrou no caminho que conduz à imortalidade.

Aquilo que é irreal, ilusório, não tem em si o Ser Real, não existe na realidade, e sim só na ilusão; e aquilo que é o Ser Real, nunca cessa de ser (...)” O corpo é transitório, enquanto o Ser é Eterno.

Ensina, pois, o Condutor dos corpos, como se obter o conhecimento para a condução dentro do caminho da imortalidade e da liberdade espiritual: Pela Yoga (União), como doutrina filosófica e prática da meditação, e através da escolha da reta ação nascida do reto pensar, que compreende a tomada da ação sob a indiferença quanto ao seu resultado, desprendida e acima das ilusões. O fazer pelo dever.

sábado, 18 de julho de 2009

CAPÍTULO 1 - "Baghavad-Gitâ" ´Parte III

A narração da história fica a cargo de Sanjaya, fiel partidário do rei cego, incumbido por transmitir os acontecimentos que ocorrem no campo de batalha dos Kurus, em tempo real, para o palácio aonde se encontram.


Os Pândavas empreendem marcha de guerra para retomarem Hastinapura, a Cidade dos Elefantes. Diante da iminente retomada, o palco militar resta montado. As fortes e largas falanges avançam em carros de guerra. O exército dos Pândavas estão armados com arcos e flechas e com os ideais de seus heróis, comandados por Bhima ou a Vontade Espiritual.

A simbologia indiana liga tais carros de guerra ao corpo; os cavalos, à mente quase sempre indomável e os condutores das bigas, simbolizam o espírito que anima o corpo.


Enquanto Arjuna tem Krishna como condutor de seu corpo e mente, devotando-lhe o respeito e a submissão tal qual deve a mente comportar-se em relação à Vontade Espiritual. Dhritarashtra, ou a personalidade relativa ao Eu Inferior, tem na figura de seu condutor um mero subalterno. Ao passo que o primeiro confia o seu propósito ao Superior que lhe guia efetivamente, o segundo jaz cego e passivo à contemplação na condição de mero ouvinte, distante e aflito em seu palácio que está sendo disputado no campo de batalha. Notamos que ao escutar a história, Dhritarashtra representa os sentidos diminuídos, cego e surdo, sem poder alcançar a mensagem divina que lhe é transmitida, julgando-se separado e alvo da cólera do Sagrado - o que lhe é próprio, em vista de sua cegueira e natureza egoísta.

Os arcos e as flechas remetem à busca de um alvo determinado. Os guerreiros pândavas são homens determinados, arqueiros treinados para atingirem seus alvos; técnicos que aplicam conhecimento em combate. Os guerreiros Kuravas, ao contrário, utilizam suas “armas favoritas”. Não compõem, portanto, uma unidade devotada ao aprimoramento técnico coletivo. Cada componente utiliza o que lhe favorece. Enquanto a estratégia de guerra destes últimos denota um exército centrado na experiência egoísta ou individual, a dos Pândavas traduz combatentes unidos, que adotam um sistema de guerra, pois compartilham do mesmo Ideal de conquista coletiva – “ Um por todos e todos por um”. A exegese da obra nos mostra que apenas as forças do Conhecimento – captado e trabalhado pelo intelecto para servir ao objetivo espiritual – são capazes de gerar os guerreiros e as armas DESTA guerra. “ Os “principais guerreiros”, para a luta entre o Eu Inferior e o Eu Superior.

Diante de tais forças, a materialidade se reconhece inferior à falange dos filhos de Pându que são puxados por cavalos brancos, o que significa que são movidos pela obediência pura e determinada às Leis do Espírito Eterno, pois as reconhecem determinantes de seus comportamentos. Cavalos são símbolos de força e obediência, enquanto que a cor branca se refere à pureza.

O mando militar dos Kuravas provém do velho general Bhishma (Terror), ao passo os Pândavas são liderados na batalha pelo heróico Bhima (Vontade Divina). Cada qual no seu grau máximo de suas motivações, diante da própria guerra. A obstinação, que auxilia do rei é quem toma o governo. Mas ela não pode governar, pois que é adjetiva. Substantivo é o homem, que está cego. Por isto, ao chegar a guerra ela se encontra sob Bhishma, que significa terror e egoísmo. Capenga, invertida, exercendo a função de comando que não é dela, a Obstinação voltada apenas a gerir o legado do prazer inferior ou material, tenta mas não pode governar a Cidade da Sabedoria. Deve pois, ser derrotada pelo Eu Superior.

O experimentado arqueiro Arjuna é um dos cinco príncipes Pândavas que, ao lado de seus irmãos e tendo como seu cocheiro o deus Krishna, a encarnação do “Criador, “possuidor dos corpos”, segundo os hindus, prepara-se para guerrear. O Terror dá o sinal de ataque, correspondido pelos Pândavas. Neste momento, Arjuna pede ao seu amado amigo Krishna que deixasse pairar o carro no espaço entre os dois exércitos, para ver de perto as pessoas que ali combateria. Vê, então, que estas eram todas suas familiares como primos, tios, sogros, amigos e mestre – os quais chama de “príncipes dos homens”, nos indicando a indecisão e os falsos julgamentos humanos. Invadido de horror e pesar, duvida se deve persistir na batalha. Neste momento Krishna responde-lhe para não abandonar, mas enfrentar corajosamente a batalha a ser vencida, contra os Kuravas.

O primeiro capítulo fixa a questão do valor e significado das ações humanas, tratando assim do Dharma pois discute a ética pelo conflito interno de Arjuna, confuso entre guerrear e renunciar ao combate.


Ao ser solicitado a narrar os acontecimentos, Samjaya começa descrevendo a atitude do Egoísmo (Duryôdhana) e sua verdadeira fome de poder. A seguir, narra o conflito de Arjuna que, puro e altruísta, indeciso sobre a ação a ser tomada, não enxerga razão e vitória na batalha e considera desertar em benefício da suposta paz entre os povos. Por isso aconselha-se com Krishna.

Este relato, ao invés de despertar no cego rei a mesma reflexão, fazendo-o compreender a ética demonstrada pelo talentoso arqueiro que se permitiu enxergar seus oponentes antes do combate, não foi suficiente para abrir-lhe a visão escurecida. Sequer aproveitar-se da dúvida de Arjuna, evitando sua própria derrota pressentida pela contagem das hostes inimigas, o cego foi incapaz, para ordenar a suspensão da batalha. A obstinação cega é incompatível com a razão. O exemplo de Arjuna é imprestável ao rei dos Kuravas, não inspira seu comportamento em direção à ética, à bondade, à audição do elefante. Por este motivo, Dhristarashtra merece ser derrotado. Enquanto Arjuna socorre-se de Krishna e avalia a submissão superior à justiça antes pretendida pelo combate por desejar o bem e nutrir o altruísmo; a Obstinação cega entrega-se à insensatez de lutar uma guerra perdida.

A reportagem dos acontecimentos demonstra que Krishna não sonega seus ensinamentos e age democraticamente. Transmite-os não apenas a Arjuna, mas ao rei inimigo dos Pândavas e, ainda, ao serviçal de casta inferior, Samjaya. Aliás, utiliza-se deste simbolizando que os valores materiais (a hierarquia do reinado) não tem significância alguma perante o Eterno que se manifesta segundo a Suas Leis e Vontade, desprezando as normas da materialidade, pois que esta não está Nele, embora Ele esteja nela.

Os Kurus reconhecem a árdua batalha e o exército dos Pândavas como composto por “guerreiros experientes e audaciosos”, comandados por um discípulo da Obstinação de Duryodhana.

Por isto, os Pândavas também são movidos por força igual, embora provinda de outro preceptor, o sábio filho do notável Drupada, rei de Panchada, uma antiga região ao norte da Índia. Uma Obstinação, portanto, vinda de outra origem do que a originada nas forças cegas das necessidades materiais é o que os determina à luta.

O “Baghavad-Gîtâ” descreve a luta interior entre o “Bem” e o “Mal”, o Eu Superior e o Eu Inferior, ocasionada pelo rompimento da Unidade do Homem e da Natureza. Arjuna, que leva um macaco, símbolo o Homem em desenvolvimento, que demonstra uma “nobreza” que na verdade ampara o cultivo das ilusões da seu Eu Inferior, pretende vencê-las mas, para isso, deve firmar seu propósito. Neste capítulo Arjuna é um guerreiro relutante que “deixou cair o arco e as flechas da sua mão, todo entregue à aflição e ao desespero que lhe consumiam o coração”. Enquanto isto, seu exército espera que ele brade e comece a disparar suas flechas, para entrar em franco combate. É fundamental a sua decisão, o despertar de sua vontade e a tomada da ação na batalha da luz contra as trevas.

As figuras do mito estão dentro do homem. Conhecê-los e detectá-los é o imperioso a cada um. Traçando-se um paralelo com a Constituição Septenária teorizada por muitas civilizações, podemos localizar as alegorias nos corpos, planos, degraus ou formas de expressão que compõe o homem.

Constituído o Eu Superior por Atma (Ser, Espírito ou Vontade Pura), Budhi (Veículo da Intuição) e Manas (Mente Pura), localizamos na primeira Hastinapura, no segundo Krishna e, em manas, os Pândavas.

O Eu Inferior, formado pelos componentes Kama Manas( Mente Concreta), Linga Sharira (Veículo Emocional), Prana Sharira (Corpo Vital ou Energético) e Stula Sharira (Corpo Étero-Físico), dominando a mente concreta está a Obstinação de Duryodhana sob a cegueira que acomete o corpo físico, etérico de Dhritarashtra. Representando o conjunto dos elementos do Eu Inferior está todo o exército de Kuravas.

Entre o Eu Superior e o Eu Inferior, localizamos Arjuna.

É necessário elevar-se acima dos corpos, desprender-se da terra como Arjuna pairando sobre o campo de batalha, para iniciar o combate.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

"Baghavad-Gîtâ" - Parte II

ANTECEDENTES DA BATALHA

Sendo o Baghavad-Gîtâ um texto contido no épico, nos conta o Maabárata que: Em Hastinapura, antiga capital do país, reinava Vichitraviría que desposou duas irmãs, mas faleceu sem deixar herdeiros. Obedecendo à tradição oriental daqueles tempos, o governo foi tomado por seu irmão Vyâsa, que se casou com suas viúvas e gerou dois filhos. O primogênito, Dhritarashtra, além de mais cem filhos gerou o mais velho Duryôdhana. Pându, segundo de Vichitraviría e irmão de Dhritarashtra, teve cinco filhos que mais tarde foram sagrados príncipes guerreiros e conhecidos como os cinco principais Pândavas.

Sobrevindo cegueira ao rei Kuru Dhritarâshtra, que passou a governar apenas nominalmente, o comando do reino ficou a cargo de Duryôdhana, que expulsou da Índia os filhos de Pându, seus parentes, os quais depois de aventurarem-se pelo mundo, voltam acompanhados de um poderoso exército e valiosas armas.

Para alcançar o cerne filosófico da Sublime Canção faz-se necessário o aprofundamento quanto ao significado das diversas figuras e personagens da história.

HASTINAPURA

Conhecida como a Cidade dos Elefantes, significa o alvo pretendido pelos guerreiros. O elefante, por seus olhos pequenos, orelhas grandes que remetem à capacidade de aprender e julgar, a priorização da recepção à emissão, o reconhecimento do “Só sei que nada sei”, socrático; além da sua excepcional memória, serenidade e bondade - pois diz-se que desviam das formigas -, tem características que, somadas à sua extraordinária força para eliminar os obstáculos, o tornam o animal o símbolo do homem sábio: Aquele que soma ao "elefante" a prática de virtude pelo conhecimento.

Hastinaputa é, pois, o estado de consciência superior no qual o ser se reconhece Homem-Divino apartado do que não seja o seu Eu Atemporal. Por este motivo, é o alvo, a objetivo dos Pândavas que se encontram em superior estágio de evolução espiritual do que os Kuravas.

VICHITRAVIRÍA

O nome do rei infértil significa “Poder de muitas espécies, multicor”. No contexto da obra, esta espécie de poder multifacetado e desvirtuado na vastidão da sua incoerência é enfraquecido no próprio poderio, porque é desprovido de um Ideal, é estéril. Suas duas esposas irmãs representam os caminhos da Verdade e das ilusões. Sem o foco ao Ideal transcendente, incapaz de frutificar tanto no campo do Eu Superior, como no do Eu Inferior, este poder encontra sua morte na Sabedoria, pois esta é o caminho que eleva o ser a partir da sua tomada de rumo à Verdade. Hastinapura não admite ser governada por este poder inferior. Vichitraviría, pois, precisa ser suscedido, o que ocorre por seu irmão, Vyâsa.

VYÂSA

Considerado ao mesmo tempo autor e personagem da saga, pois que é pai de Dhritarashtra, Vyâsa comunica ao próprio filho, através do serviçal Samjaya, não apenas o que se desenrola no campo de batalha mas, sobretudo, os próprios ensinamentos de Krishna. Este é um fato substancial que traduz e realiza a natureza divina que “permite” sejam seus ensinamentos transmitidos aos dois exércitos, simultaneamente – o que exprime a essência de Deus tornando possível reconhecer qual o Seu código de normas.

A percepção dos inimigos, determinada pelo grau evolutivo de cada qual, é o que faz a um engajar-se na difícil guerra e, ao outro, ao invés de render-se diante do reconhecimento de sua visível inferioridade, persistir na insanidade cavando sua derrota.

Vichytraviría, o poder decadente, tem como “irmão” o que significa “Agrado” ou “Prazer”, personificados em Vyâsa. Que vem como uma espécie de dádiva do próprio Espírito Eterno ao reino. O prazer toma do poder seus Caminhos e gera as personificações de cada um deles, os filhos Dhritarâshtra e Pându.

Vyasa mostra, com isso, que é essencialmente justo pois gera os opostos. Além disso, observamos que estéril era Vichitravería, poder corrupto e estagnado, não suas esposas.

DHRITARASHTRA e PÂNDU

Respectivamente, representa o primeiro a vida material, o instinto, o Eu Inferior e, o segundo, o Eu Superior, o elemento espiritual e o intelecto. Pându significa também “claro”, “pálido”, indicando que alva é a espiritualidade e, escura a materialidade.

O Instinto da materialidade gera, dentre seus filhos, a Obstinação de Duryodhana, o qual tem a qualidade de ser “dificilmente vencível”.

É evidente que este fato nos remete à enorme gama de atributos do homem. Em sentido transcendente explica o Deus que dota a sua expressão material de capacidades essenciais de superação e transcendência. Sendo a Obstinação (Duryôdhana) a primeira qualidade do homem - pois que o primogênito de Dhritarârashtra -, o compromisso individual de cada homem de alimentá-la, como a um filho, é o de torná-la apta para conduzi-lo a Hastinapura.

É instintivo do homem valer-se de sua obstinação. Ocorre que os apegos ao poderes e prazeres inferiores, como ao rei Dhritarâshtra, lhe cegam e sucede Duryôdhana que auxilia em seu governo. Esta passagem do mito afirma que: Cego o instinto, a derrocada do ser material se inicia quando a obstinação, arraigada apenas em suas necessidades, se lança à guerra desprovida de mente e espírito. Será morto cada guerreiro - o que mostra que o Caminho para a travessia está aberto a todo instante, mas não sem antes causar enorme pavor e destruição. Esta Obstinação aos apelos materiais, acabam por expulsar os Pândavas de seu reino, eis que são representantes dos elementos do Eu Superior.

No “Baghavad-Gîtâ”, a cidade está à beira da invasão. Insistentes no objetivo de conquistar o grau mais elevado do ser, superiores e com novos partidários retornam para a retomada, os cinco filhos de Pându.

OS FILHOS DE PÂNDU

Os filhos de Pându são banidos mas arregimentam um exército, se unem, avolumam suas as tropas com guerreiros de reinos vizinhos. São a excelência da capacidade intelectual e espiritual do homem, contida em seu Eu Superior.

ARJUNA

É o homem em evolução. Aquele já se dirigiu armado ao campo de batalha, para retomar o seu lugar, Hastinapura. O guerreiro que conhece a necessidade de subjugar os apelos do Eu Inferior mas que reluta, apegado às ilusões e aos vícios os quais ainda julga dignos de sobrevivência. Ele simboliza o Homem que ainda precisa comungar com a divindade para empunhar de uma vez por todas a sua espada. Ele é amigo de Deus. Já consegue estabelecer uma via direta de comunicação com a divindade. Conhece o Caminho. Tanto que seu cocheiro é Krishna – divina partícula da Essência Eterna. É à Divindade que Arjuna confia a condução de seu corpo e de sua mente pura (cavalos) (branco) obediente, simbolizada pelos carros de guerra conduzidos por cavalos brancos.

E a divindade é sua amiga. Deus, também por Seus Avatares (como Buda e Krishna. Algumas pessoas consideram também Cristo), se comunica com este homem, com Arjuna. O aconselha e estimula, explica-lhe sobre a sua natureza e a sua relação com a Unidade, e lhe direciona à vitória.

Arjuna é o homem em transformação que luta alado a príncipes guerreiros, interpretados como os atributos elevados de consciência e princípios de espiritualidade.

Exímio arqueiro, como descreve o “Mahabarata”, do exército das forças superiores, Arjuna é a representação do homem na vida (campo de batalha) do “Bem” e do “Mal”. O Filho da Alma (Kunti) contra os filhos das forças cegas da matéria, lutando contra os vícios, os apegos, as paixões, o egoísmo.

REIS, HERÓIS E GUERREIROS

Nas fileiras dos Pândavas são encontrada figuras da mitologia oriental mencionadas no Maabárata. Reis como Drupada e seus filhos; heróis como Bhima (terrível), guerreiros como Purujit, o “conquistador da cidade”, o próprio Arjuna, bem como são elencados os seus trunfos, generais e heróis que sempre representam forças, inclinações, atributos, artes, ciências e paixões que agem harmônicas com a Vontade Divina. As forças inferiores são representadas, por exemplo, pela citação de Brishma (Terror) ou o Egoísmo; Karna, talentoso arqueiro inimigo e posteriormente morto por Arjuna, representando o guerreiro desvirtuado ao mal; Kripa, guerreiro imortal designado professor dos príncipes no Mahabharata; Aswatthâman, outro imortal depois amaldiçoado por Krishna a errar por seis mil anos, acometido de hanseníase, como um detestado; Vikarna, Somadatti e outros que traduzem as forças seguidoras do egoísmo e da cegueira do instinto. (continua ) Paulo Gustavo

"Baghavad-Gîtâ" - Parte I



“BHAGAVAD-GÎT”

INTRODUÇÃO



Texto mítico de doutrina esotérica, escrito originalmente em sânscrito, entre os séculos II e V a.c., e crido como emanado diretamente de Sri Krishna – divindade glorificada pelos Vedas(Conjunto de textos sagrados) e considerada a maior expoente do conhecimento -, o “Bhagavad-Gîtâ” ( Sublime Canção ou Canção de Deus) é parte integrante do épico intitulado “Maabárata” ou “Mahabharata” (Epopéia hindu), o mais importante texto sagrado do hinduísmo, cuja autoria é atribuída ao imortal Vyâsa, o qual teria sido avô dos dois clãs envolvidos em combate, os Kuravas e Pandavas. Venerado como Escritura Sagrada pelos brâmanes(3), no contexto da religião hindu a obra é imensamente considerada também no budismo. A filosofia contida na Sublime Canção consiste no entendimento harmônico das doutrinas de Patanjali(4), Kapila(5) e dos Vedas, destinada ao homem desejoso de sua essência, que busca o Entendimento para alcançar a existência plena através de sua vitória na guerra entre o Eu Inferior e o Eu Superior. O “Bhagavad-Gîtâ” narra o diálogo entre Krishna e o arqueiro Arjuna, momentos antes da Batalha de Kurukshetra, cidade sob o domínio dos Kurus situada ao norte da Índia.
Na obra são transmitidos ensinamentos para a retomada e sustentação da realização espiritual, na trajetória humana de retorno à Unidade Divina, a compreensão de que o Um está presente em tudo.

O mito é a representação da batalha íntima e contínua que o Homem deve empreender para subjugar seus vícios e apegos da personalidade que lhe suprimem o foco essencial: Reconhecer-se como ser espiritual em jornada evolutiva para alcançar uma dimensão atemporal, através da reformulação interior direcionada pela prática da Virtude. O “Baghavad-Gîtâ” trata, pois, da emancipação humana através da reta-ação, escolha do Dharma, no mundo e estimula a reflexão a respeito do ser, fortalecendo os seus Pândavas para a aniquilação de seus Kuravas.

sábado, 25 de abril de 2009

Comprei a Jane Fonda.



Já estou na fase de falar "esse negócio" para as novidades virtuais. Do mesmo jeito que minha tia fala quando se refere a um aparelho de fax. Manda por "esse negócio aí pra mim, filho?". Antes eu falava até meio descolado Orkutch, Méssenger, Imeioul. Entrei no Twitter. E, na velocidade da luz, em meia hora eu obtive acesso ao universo dos beetlejuices cibernéticos, virtuais e quem sabe até quânticos ou sei lá mais o que.Aprendi o que é buytter. É um primeira-maozão de pessoas, a primeira vista. De perfis, vai. Você compra um perfil e o vende como em um pregão da Bolsa de Valores. Valem menos os mais óbvios, os normais. Os Souzas, Silvas,Nando,Leleca, Sabrina... desde que não seja a Sato, claro! Enfim, o povinho vale uma merreca. Os top's, uma verdadeira fortuna. Mas, por uma sorte do destino, eis que dentro das minhas humildes possibilidades de novatão, surge em impressionante oferta - que até me pareceu mercadoria de Puerto Stroesner-, nada mais , nada menos que a Jane. A Fonda, é claro. Não tive dúvidas. Duzentas pratas? Comprei a Jane Fonda e foda-se! Acabou com o meu crédito, mas já foi. Igual compra de celular:" Ah, eu mereço, né ?"





O problema é que a bichinha tá na prateleira. Encalhadaça. E eu nem sei da vida dela, mas, no meu twitter, valendo 441 pratinhas, ela tá encostada. É a vida!! Nem eu nem ela poderíamos, um dia, sonhar com essa situação. Ela no meu saldão. É Jane, tem dia que a noite é flórida... É a vida. Vendo uma Jane Fonda !! http://buytter.com/plogust

A CAUDA AZUL


Enquanto eu olhava o mar, sentado à margem e lutando com a brasa do meu cigarro que se consumia rápido e alheio à tonalidade romântica que eu tentava imprimir à cena, no meio do oceano percebi o mergulhar de uma enorme cauda, como um aceno magistral de um t gótico, com as extremidades encorpadas e cinza, o cinza próprio dos seres azuis marinhos.


Não tive tempo para transferir da mente ao corpo a reação surpreendida como uma pequena felicidade. Como se ergueu, emergiu. Pretendi fazer considerações sobre o surgimento, mas logo todas as ponderações possíveis se diluíram, laçadas pela surpresa – Que animal..., seria tão profundo o mar já naquele ponto que não me pareceu tão distante? Uma baleia que mais tarde se atolaria na areia ? – Esses pensamentos se esvaíram sem que eu os pudesse reter.


O sol recaía lentamente por trás de uma ilhota, mergulhando na nascente das ondas e o vento suspirava ao meu rosto, refrescando os meus cabelos. Vi meus pés e minhas unhas rachadas. Nenhum sentimento. Abandonei os pés e voltei-me ao mar.


A poucos metros um pescador levantou-se da areia em um salto. Retomou a vara fincada à margem e recolheu a linhada. Levei a mão às sobrancelhas para verificar o peixe rendido ao ar, entregue, sendo desenganchado. Com uma intimidade injustificada o pescador levantou seu peixe, arfante, em minha direção. Sem o que pensar, estendi-lhe exageradamente a mão, retribuindo-lhe um sorriso que eu não tinha. Temi por um instante a sua aproximação, talvez encorajado pelo meu gesto, mas ele plantou novamente a vara na areia e sentou-se, abrindo uma cerveja. Desviei o olhar antes que o homem consumasse o oferecimento de sua bebida e voltei-me para o mar.


Pensei em minha mãe. Embora metade do meu cérebro estivesse preocupada com o pescador, a outra se entregou a todos os passados, mesclando os sentimentos. Por um momento imaginei o lambari rendido comendo as suas cinzas e, agora, aquele senhor preste a fazer parte do, para mim lancinante, óbvio ciclo alimentar. Não. Talvez, preferi, de um só golpe poderia aquela baleia de cauda azul brilhante ter abocanhado todas as pequeninas partículas. Ou, mais dadivoso, tivessem a sorte de serem despejadas diretamente às bocas reluzentes de peixinhos mais dignos e corajosos.


Procurei o ponto onde há poucos meses estivemos todos, entre barcos simples e silenciosos, conduzidos por estranhos. Incólume. Nem sequer uma constante revoada de aves brancas sobre o local, uma simples faixa de sol destacada ou qualquer rastro de arco-íris a selar o ponto das cinzas. Afligi-me querendo outra vez a cauda talvez turquesa. Quis, definitivamente, lançar-lhe um olhar pedindo uma acrobacia, um mergulho, no ponto dos barcos, para enfeitá-lo e, ao mesmo tempo, desejei o peixe pendido do pescador. Saltei. Mas eles não mais estavam ali. Dei passos em direção aos metros que nos separavam mesmo constatando com o coração que haviam desaparecido ou mergulhado para dentro da vida. Repleta de casas, caminhos e anzóis. Impossível revê-los, o homem e o peixe. Olhei novamente os meus pés. E assim, com os dedos impressos nos olhos, passei a adentrar na lâmina espumante que vinha morrer na seara seca, até não mais vê-los. Ergui a cabeça e continuei caminhando como apenas quem vai, até sentir o sal molhado na boca.


Desejei beber a água. Bebi a água o quanto pude, sugando-a, voltado para o local das saudades com a certeza de que Deus me traria uma, uma partícula. Uma, era o que eu pedia, com o pensamento embotado de água e sal. Uma única cinza que se alojasse como bala no meu coração amargo e doce.


Sobre as pontas dos dedos senti o estômago pesado e a alma rompida. Mergulhei, tendo na mente a leveza da cauda azul, abocanhando todo o mar. Não havia saudade. Apenas a sua sede e fome. Em pensamento, o delicado gelo da cerveja do pescador eu também queria. Desejei abraçar o pescador e ser um peixe e todos os peixes que com suas bocas miúdas estiveram no banquete enfeitado de flores e refrescado pelas sombras dos barcos.


Onde está você, pescador? O mundo é tão imenso e eu não sei se você também mergulhou rumo ao infinito como a baleia e como eu. O mundo é tão grande... e é grande assim que, á medida que eu me aproximo, parece que o ponto adentra mais e mais em direção ao sol que agora é quase uma lembrança dourada. Longe..., já um adeus vermelho e misterioso.


Meus pés já não alcançavam o fundo sem que os meus cabelos emergissem a ponto de serem levados pela brisa das águas. As luzes das encostas começavam a salpicar. Luzes de casas ao entardecer. Pensei o quanto elas trazem assim, vistas do mar. E trazem tanto que, se detendo por alguns segundos em uma delas e depois fechando-se os olhos é possível ouvir o ruído esguichado da panela de pressão ao fogo, ver o meu entrar pequeno na cozinha branca com maçãs nos azulejos e ouvir o meu nome naquela voz ocupada e doce. Oh, meu Deus, o mar cheira a... carne com cebolas em tiras grossas, batatas inteiras cozidas com tomates, arroz com feijão fresquinho, ao alho... O mar cheira ao meu suor entrando em casa, com as bochechas vermelhas e os cabelos na testa. E como, Deus, o mar trás o gosto do rosto cansado que eu beijo e que se encaixa e beija o meu pescoço e depois, consertando o beijo, beija a minha face quente, pequena, redonda. É por isto que o mar é salgado.
Frio e quente é o mar. Igual àquelas mãos. Molhadas.Que eu retiro do meu rosto, por nada saber da vida, e que pronunciam o meu nome. É por isto que o mar é imenso. Como elas... Tão imenso que nem o meu coração poderia tê-lo inteiro. Enorme. Tão grandioso que além de ser maior que toda a terra deste mundo, é ele. O mar.


A cidade ressuscita e eu ainda quero a baleia negra, enfeitando com o seu mergulho, o local que me foge. Tudo é muito grande ! – gritei quando retornava – e eu aqui, ávido por estas luzes pequenas. Tão pequenas, secas e distantes que nem os meus olhos podem distinguir.


Molhei os cabelos gelados e duros e limpei as lágrimas, irrompidas do mar. A ardência que invadia incandescente fez-me apertar os olhos com os dedos dobrados e, talvez fosse um reflexo da noite, um mistério do mar ou um desses pensamentos que, feito vertigem, saltam à realidade, bem ali, ao centro do ponto das cinzas, airado como miragem, um arco-íris e, no intervalo de outro aperto dos olhos, a enorme cauda dourada e azul empinou. Parou no ar, esperando o meu juízo, e mergulhou sob a mais linda lua que eu já vi em toda a minha vida.

Plogust

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Menino Mosqueteiro


Menino Mosqueteiro

Eram meninos. Menininhos e menininhas, melhor dizendo. Pequenos, alegres e tristes, tímidos. Endiabrados, gulosos, sonâmbulos e estridentes ao sorrir e falar. Alérgicos, ridículos, amados e meninos. Iguais a esses que se encontram crescendo com graça pela vida e que estão sempre correndo, caindo, encantando e ensinando esperança.


Mas estes – como se houvesse diferença entre tais criaturas – eram tão meninos que até as meninas eram meninos, pois, naquela idade e naqueles mundos dentro daqueles olhinhos, eles permaneciam universais. Olhavam, uns aos outros, e encontravam a sua nação. A nação dos meninos. Nação de todos os hinos, todas as cores e nenhuma lei.


Revendo a fotografia encardida, salta à vista os traços deles. Traços cor de verde novo, como os jovens brotos orvalhados de capim, ao raiar do dia. Ao aproximá-la, saltam também os seus olhos – verdadeiras ameixas vivas e incrustadas naquelas vinte e poucas ou trinta faces; As bocas que engolem – no momento da foto – o riso quente da alma menina; As mãos, mãozinhas, que se prostram com a seriedade de um soldadinho de chumbo ao lado do corpo menino. Da foto, gritam em algazarra e,docemente, esticam as suas pernas, “pernicas”, que só sabem correr da surra, dos monstros, dos sapos, tartarugas e de todas as coisas boas da vida. Pernas que se cruzam ao chão sem cerimônia; Que se levantam e andam, correm e disparam rumo à vida e aos caminhos antes traçados somente por Deus.

É uma bela fotografia, sem dúvida. Vinte e poucas ou trinta promessas; Vinte e poucos ou trinta milhões de esperanças. São meninos vestidos de sonhos, pequenos príncipes e princesas que ainda têm em redomas as suas rosas, que ainda não partiram e aos quais a vida é um enorme pirulito. É lindo vê-los ali, lambuzados de vida e correndo, um atrás do outro, sobre o pirulito colorido.


Eu, eu olho a fotografia embaralhada, encontro aquele exato menino mosqueteiro e vou ao espelho. Pergunto aos olhos que também procuram o menino dentro dos meus e encontro uma menina triste. Ela é castanha, pequenina e sempre esteve ali. Ela me olha e se vê no centro do meu olho, e parte para buscar a menina do seu, me deixando só. No canto, as lágrimas acabam me convencendo de que o menino naufraga em seu barquinho em algum lugar bem atrás do meu olho, e eu sinto que ele luta. Por um momento o vejo com seus olhos de ameixa, aflito, apoiado em suas perninhas de barata, suando, suando muito em cima de seu barco de papel para retirar a água que inunda imperdoável, dura como pedra e louca para aniquilá-lo. Encontrei-o ! Não são lágrimas o que escorre sobre esta face desconhecida, são as águas do barco do menino que luta dentro dos meus olhos. Eu ajoelho diante do espelho e só posso chamá-lo de meu filho, meu amado menino mosqueteiro.

Retorno à fotografia encardida. Um, dois, três, quatro... Ali está ele ! Ali, bem em cima e ao canto esquerdo, com sua pose de Dom Quixote e pensando em seu Rocinante muito mais que em sua Dulcinéia. O meu menino mosqueteiro ! Sem dúvida é ele. “ Salta daí, menino! Que saudade...!” E ele salta. Eu beijo a fotografia. Ele devolve o beijo, dá uma piscadela inconfundível e galopa para o meu coração.


A todos os meninos e meninas mosqueteiros. Plogust